Os primeiros dias foram passados isolados do mundo, num lugar mágico no meio do mato, mais precisamente na Mata Atlântica, a vinte minutos de carro da cidade e montanha acima. Para terem uma ideia, escolhi esta pousada para passar a minha lua de mel, se algum dia ela conseguir a proeza de existir. Não sendo o caso, foi também o sítio perfeito para desconectar do mundo com a minha mãe. O conforto, a mordomia e a energia de natureza zen fizeram a limpeza cerebral e corporal necessária para começar esta viagem a duas em beleza. O tempo não ajudou, ou melhor, talvez tenha ajudado. Esteve sempre nublado, com chuvas tropicais e pareciamos ser as únicas hóspedes num raio de 10km. Pensando melhor, foi ideal. Não fez muito calor e isso permitiu o silêncio e desconexão total. Quando brilha o sol, ficamos sempre ansiosos por sair e fazer coisas. Aqui, entre massagens, banhos de ofurô, saunas seguidas de cachoeiras, livros e comida caseira, limpámos a alma.
Depois deste retiro onírico quase irreal, chegava a hora de alguma acção, que ninguém que não seja buda aguenta tanta paz. Instalámo-nos na cidade. Paraty é cenário de filme (e de novela, claro). E só podia, de tão bonita. As ruas de pedras enormes, salientes e descompensadas são as mesmas colocadas pelos escravos há séculos atrás. As casinhas baixas e coloridas concorrem com a natureza em volta, vaidosa e exuberante, dona daquele brilho garrido - verde, laranja, vermelho, azul, amarelo - que só os países tropicais conhecem e que o Brasil tem como impressão digital. Por todo o lado, artesanato, música, arte. Pescadores, marinheiros, locais curtidos pelo sol e boa vida a quem chamam Caíçaras. Em redor, ilhas e mais ilhas, incontáveis, a perder de vista. Tantas, que a certa altura, parecem quase banais. Se não tivesse noção do momento e não estivesse em constante deslumbramento com as maravilhas do planeta, diria que são a coisa mais natural do mundo. Esse amaranhados de ilhas verdes e semi-desertas a sair do mar. A simpatia do povo essa, prossegue. Que povo feliz. Mesmo os antipáticos são simpáticos, em comparação com a Europa. É uma forma de estar. Nas notícias oiço depoimentos de famílias que perderam tudo em inundações das chuvadas que estão a assolar o país que podem explicar-vos melhor o que digo. Até nos momentos de maior desgraça, os comentários puxam para o lado positivo: "É, perdemos tudo que tinhamos, mas fazê o quê? É a Natureza...". Em analogia à insatisfação com que convivemos diariamente, é quase um choque para mim. Um choque bonito, entenda-se. Pergunto-me o que fará a personalidade de um povo. Porque cada um tem o seu modo de ser e não outro? E porque nós, portugueses, gostamos tanto de ser fechados, quando já fomos o povo mais aventureiro do mundo? Aqui, ser alegre é lógico, irremediável e natural. Faz todo o sentido. Mais uma vez, apercebo-me que apenas eu é que já não estou habituada.
Hoje senti que o paraíso era aqui. Que belo cliché. Eu sei, eu sei, ver de fora e de férias não é o mesmo que viver dentro, e aqui há perigos com que nem sonhamos em Portugal, esse cantinho abençoado onde nada de grave se passa. Mas convenhamos, estar na proa de um barco a sentir o sol na pele depois de muito tempo, a ouvir música brasileiro-adocicada ao vivo, mergulhar no meio de cardumes que vêm comer à mão, ver como vivem as pessoas cujo trabalho é apenas sentar na rede e beber cerveja a cuidar de ilhas (enquanto o dono francês não aparece) e almoçar ancorada numa enseada chamada preguiça, com águas verdes e mais nada à volta senão pássaros vermelho vivo, é algo que inunda qualquer um de uma felicidade plena e gritante, que se instala e se pergunta porque raio a vida não é sempre assim.
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