quinta-feira, dezembro 25

Búzios

Búzios. Lugar de areia, sal, sol e mar. Finalmente há céu aberto. O mar revela o seu esplendor verde e azul turquesa e o sol relembra como pode ser fatigante o calor tropical. Eu e Dona Eduarda alugámos um buggy cor de rosa shoking e andamos por aí na maior curtição motora-aventureira.

Hoje é dia de Natal e não há lugar onde preferisse estar do que aqui. Ligar para a ilha foi entender o triste que teria sido ficar lá este ano, sem o meu pai. Além de todas as lembranças, contam-me do lado de lá do telefona que está um temporal que nem se consegue sair à rua. Sinto pena de não ter sido possível trazer os meus irmãos para esta fuga tropical estratégica. Com cansaço de praia e depois de ter tido um jantar super selecto com a minha mão em frente ao mar, enviei-lhes um grande beijo cheio de abraços e amor.

De volta a Búzios, porque é de esquecimento que se trata, aqui fica um pouco sobre a cidade: a brigitte bardot morou aqui e desde os anos sessenta que isso - e a fama dada pelas novelas - faz com que este cantinho de pescadores de beleza exuberante se tenha virado para o turismo. Estraga um pouco mas mantém aquele bom gosto que o Brasil sabe impor nas suas praias e belezas naturais: respeitador do meio ambiente. A variedade de lojas, bares, restaurantes e pessoas só ajuda a distrair a minha mãe e a satisfazer todos os seus desejos, por isso acho que é perfeito. A única coisa não tão perfeita foi a família de suecos que se instalou no quarto ao lado do nosso e entre festas, música aos altos berros às oito da manhã e quecas sonorizadas que se ouvem através das finas paredes do quarto, nos incomodaram um pouco a estadia. Mas enfim, deu para rir, distrair e jogar qualquer raivazinha que pudesse estar inconscientemente a pertubar o nosso coração anti-natalicio, toda neles. Mais uma vez, vejo lógica em tudo e até acho perfeito. Talvez seja mesmo o universo do nosso lado.

Não é em todo o lado, é certo (já vi dezenas de cidades favela) mas quero partilhar algo importante, que em Portugal se esquece e se podia fazer pelo melhor. Existe a desmesurada idiota contrução em cima das praias. O melhor seria evitá-la, claro, mas o que tento explicar é o do mal o menos. Não podendo contrariar a tendência, pelo menos aqui o que se vê são casas de madeira, pisos térreos e muita vegetação e open space envidraçado, inserido na paisagem. É certo que também se comete o pecado das cadeiras de plástico publicitárias - amarelas e vermelhas - serem regra nos bares de praia (ahh, se eu pudesse estrangular o triste ser que teve a ideia de criar esse lixo visual...), mas isso comparado com o que fizeram em tantas zonas do nosso país (a maioria pensará no Algarve, eu tenho uma tristeza especial pelo Porto Santo - quem não conheceu em tempo de paraíso, já não vale a pena ir...está cada vez mais estragado) não é nada. O conselho: a nós, gerações de amanhã, que já somos bem menos deslumbrados e bem mais conscientes, cabe-nos mudar essas tendências de crescimento absurdas.

De cada vez que pensemos em desenvolver e promover as nossas maravilhas naturais, usemos um pouco de bom gosto e senso.



Boas festas para todos.

sexta-feira, dezembro 19

Part ilha para ty

Estou no paraíso. A beleza natural deste país tira-me o tapete debaixo do pés e deixa-me sempre de queixo caído. Saí do Rio e segui para sul, rumo a Paraty. Cidade colonial histórica e património mundial da humanidade, foi um importante porto de comércio no séc. XVIII, usado pelos portugueses na rota do ouro e pedras preciosas. Depois, teve que deixar de o ser, pois o que aqui se passava era tão cobiçado que os piratas não deixavam em paz. Hoje Paraty continua linda, intacta e preservada, ao contrário de muitas suas semelhantes cidades históricas. Alguém inteligente a comandar as operações, com certeza. Não posso evitar interrogar-me, sempre que passo por estes lugares, o que foi feito do nosso bom gosto construtivo nos tempos modernos...

Os primeiros dias foram passados isolados do mundo, num lugar mágico no meio do mato, mais precisamente na Mata Atlântica, a vinte minutos de carro da cidade e montanha acima. Para terem uma ideia, escolhi esta pousada para passar a minha lua de mel, se algum dia ela conseguir a proeza de existir. Não sendo o caso, foi também o sítio perfeito para desconectar do mundo com a minha mãe. O conforto, a mordomia e a energia de natureza zen fizeram a limpeza cerebral e corporal necessária para começar esta viagem a duas em beleza. O tempo não ajudou, ou melhor, talvez tenha ajudado. Esteve sempre nublado, com chuvas tropicais e pareciamos ser as únicas hóspedes num raio de 10km. Pensando melhor, foi ideal. Não fez muito calor e isso permitiu o silêncio e desconexão total. Quando brilha o sol, ficamos sempre ansiosos por sair e fazer coisas. Aqui, entre massagens, banhos de ofurô, saunas seguidas de cachoeiras, livros e comida caseira, limpámos a alma.

Depois deste retiro onírico quase irreal, chegava a hora de alguma acção, que ninguém que não seja buda aguenta tanta paz. Instalámo-nos na cidade. Paraty é cenário de filme (e de novela, claro). E só podia, de tão bonita. As ruas de pedras enormes, salientes e descompensadas são as mesmas colocadas pelos escravos há séculos atrás. As casinhas baixas e coloridas concorrem com a natureza em volta, vaidosa e exuberante, dona daquele brilho garrido - verde, laranja, vermelho, azul, amarelo - que só os países tropicais conhecem e que o Brasil tem como impressão digital. Por todo o lado, artesanato, música, arte. Pescadores, marinheiros, locais curtidos pelo sol e boa vida a quem chamam Caíçaras. Em redor, ilhas e mais ilhas, incontáveis, a perder de vista. Tantas, que a certa altura, parecem quase banais. Se não tivesse noção do momento e não estivesse em constante deslumbramento com as maravilhas do planeta, diria que são a coisa mais natural do mundo. Esse amaranhados de ilhas verdes e semi-desertas a sair do mar. A simpatia do povo essa, prossegue. Que povo feliz. Mesmo os antipáticos são simpáticos, em comparação com a Europa. É uma forma de estar. Nas notícias oiço depoimentos de famílias que perderam tudo em inundações das chuvadas que estão a assolar o país que podem explicar-vos melhor o que digo. Até nos momentos de maior desgraça, os comentários puxam para o lado positivo: "É, perdemos tudo que tinhamos, mas fazê o quê? É a Natureza...". Em analogia à insatisfação com que convivemos diariamente, é quase um choque para mim. Um choque bonito, entenda-se. Pergunto-me o que fará a personalidade de um povo. Porque cada um tem o seu modo de ser e não outro? E porque nós, portugueses, gostamos tanto de ser fechados, quando já fomos o povo mais aventureiro do mundo? Aqui, ser alegre é lógico, irremediável e natural. Faz todo o sentido. Mais uma vez, apercebo-me que apenas eu é que já não estou habituada.

Hoje senti que o paraíso era aqui. Que belo cliché. Eu sei, eu sei, ver de fora e de férias não é o mesmo que viver dentro, e aqui há perigos com que nem sonhamos em Portugal, esse cantinho abençoado onde nada de grave se passa. Mas convenhamos, estar na proa de um barco a sentir o sol na pele depois de muito tempo, a ouvir música brasileiro-adocicada ao vivo, mergulhar no meio de cardumes que vêm comer à mão, ver como vivem as pessoas cujo trabalho é apenas sentar na rede e beber cerveja a cuidar de ilhas (enquanto o dono francês não aparece) e almoçar ancorada numa enseada chamada preguiça, com águas verdes e mais nada à volta senão pássaros vermelho vivo, é algo que inunda qualquer um de uma felicidade plena e gritante, que se instala e se pergunta porque raio a vida não é sempre assim.

sexta-feira, dezembro 12

Prelúdio: Rio de Janeiro


Aqui estou. De tanto a ver ao longo da vida, a cidade é-me familiar. E concordo com o poeta, mesmo sem cá ter estado antes: o Rio de Janeiro continua lindo. Uma urbe tentacular que parece inadaptada por rodeada de tanto mato, montanhas e água. Sentir o terceiro mundo pela forma de estar é recordar este jeito simples de ser que tanto amo. O sotaque, as expressões da língua escancarada, os sorrisos e a abertura de simpatia rasgada relembram-me a diferença dos povos alegres. Mesmo que a vida vá mal, não é motivo para se viver triste. Aperceber-me que, quer queira quer não, trago no adn uma cultura nostálgica, com tendência a ser mais fechada no contacto espontâneo com os outros. Saber que é uma pena pesada, mas ao mesmo tempo, entender que é isso que a faz como é. E que lindo e único é esse país pequenininho à beira do Atlântico. Quanto a mim, sou sou um misto de felicidade, fascínio, adaptação e saudade. O cheiro é húmido e agridoce e entranha-se na pele. Há macacos na parede verdejante ao lado do prédio onde moro que vêm roubar comida das casas e me lembram a beleza dos lugares tropicais. Caem bátegas indecisas que refrescam e dão vontade de dançar à chuva. Um calor delicado envolve-me nos braços, indicando o ritmo. E só por ser assim, sinto-me em casa.