quarta-feira, agosto 5

3,2,1niverso

Dos teus olhos falavam séculos
Sacudindo o meu pó de borboleta
Das asas da ilusão da vida
Outras verdades emergiam na paleta
E com pincéis de luz procurei achar a minha saída
Deu-se encontro destinado a três mosqueteiros
Uma rainha
E dois guerreiros
Com multidões debaixo da pele
Exércitos em busca dos tesouros da mente
E três somente em cena,
Dois amando como centenas,
Um afinal,
Como sempre,
Apenas.

Camping do Artur ,Lumiar, 24 Abril 2009

Consegui sair do Rio de Janeiro, missão difícil. É tempo de reflectir. Passou-se um mês e algo de intensidade absurda, violenta, surpreendente e transformadora. Da chegada ao casarão das letras sem expectativas e acompanhada do carlo e manu, até uma paixão avassaladora vivida entre tiros e delírios na Faixa de Gaza, com muitas viagens vividas na garupa de uma moto - mas principalmente desta mente - pelo caminho.

Despertar

27.03.09
Quarta manhã passada no posto de saúde de Santa Tereza. Já me começo a habituar a ter horas paradas à espera que chamem o meu nome enquanto eu me distraio com a correnteza da mente em meditações amadoras. Apanhei uma infecção urinária que se estende a complicações renais e em lugares de saúde gratuita a sentença tarda e falha até realmente se resolver alguma coisa. Viajar tem destas coisas. Mas muito mais que isso se passa e, apesar das dores, estou feliz. Esboço um sorriso ao lembrar do que diz o médico da Dona Laís sobre as doenças: deve ser concerteza o meu corpo a querer dizer-me alguma coisa. E lá dentro bem sei do que se trata. Comecei de novo a viciar-me nos prazers do amor e da carne quando sei que não é para aí que devo concentrar a minha energia e concentração. A cabeça gosta de ocupar-se com novas paixões e imaginar novos episódios de sagas amorosas. É essa a desculpa de sempre escolhida para ocupar os pensamentos. Mas agora mudou muita coisa em mim e sei que é uma quimera concentrar a minha força em amores impossíveis e passageiros. É até uma desculpa para nublar e distrair a mente de prestar atenção ao que dentro passa, essa transformação imensa e incontornável do meu ser em desabrochamento. Esta infecção avisa-me para tomar mesmo conta de mim e do meu corpo, que é templo e que é puro e que exige que eu esteja sã e consciente dele mais do que nunca.
Os amores que o cultivaram e adoraram, que belo seria um dia escrever sobre eles. Mas não agora. Agora trata-se do amor a mim e da transformação desse amor a outros, a tudo, mas em diversa forma. De estar atenta à ebulição de mim que me agita em formigueiros de dormência desperta, transes descobertos no silêncio da paz selvagem e interior. Oiço e sinto debaixo da pela a Kundalini, que se contorce na base da minha coluna, ajudada pelos rins doloridos e bloqueados, tal como ela, apenas à espera de que eu não tenha mais medo de abrir essas novas portas, desconhecidas e imensas. A vibração energética em conjunto com a dor - que tal como um treinador ditador obriga a parar e respirar para conseguir caminhar depois -é fortíssima e faz de mim um autómato das suas ordens.
Anteontem acendeu-se o fogo e algo muito forte aconteceu. O seu poder, junto com a vibração de quatro pessoas certas, forçou-me a meditar até um estado que nunca tinha alcançado. Fechei os olhos como se alguém me ordenasse e assumi a posição de lótus como se há muito tempo já o devesse ter feito, quase caindo em transe imediato entre a respiração e as brasas crepitantes que ecoavam a alta voz dentro de mim. Tive visões de fogo e terceiro olho, em cores que abriam caminho às profundezas. A base da minha coluna latejava de dor e alívio de cada vez que a respiração consciente permitia o fluir da energia liberadora até lá. Ao mesmo tempo, a lembrança que surge no pensamento inconsciente ao qual estou muito atenta, era a imagem da Kundalini a querer sair, libertar-se da base, da casca, forçando o seu serpentear ao longo da minha coluna. Deixei. Tive medos e procurei eliminá-los, embora fosse bastante forte o meu estado de alteração no tempo e no espaço, transe consciente que me deixava abrir os olhos com medo de cair ou desmair. A cada medo, o regresso à respiração, lição aprendida há tanto tempo por razões que ao longo da vida me relembram a hora de ser posta em prática. Senti-a subir, distribuindo dormência até ao pescoço e daí uma imobilidade no alto da cabeça que trouxe de novo o medo, por sentir que não poderia mover-me, se quisesse. Será que algum dia se consegue eliminar o medo por completo? Volto à respiração e permaneço nela, sem outra hipótese, esperando esse silêncio vazio que tudo esclarece. Fiquei assim durante muito tempo, imóvel e vibrante, com o fogo, o Carlo e o Manu testemunhando serenamente a minha elevação. A certo ponto, penso que a força da experiência e o medo me confundiram e assustaram novamente pois comecei a sentir muito frio e tremores que não fui capaz de controlar. Deitei-me no chão em posição de relaxamento e procurei acalmar-me, mas a presença de tão bons amigos exigiu contacto e enrosquei-me lentamente entre os pés de um e o colo de outro, até que o sintonizar das três respirações e energias me tranquilizou e trouxe de volta. O fogo continuava a falar connosco e esse silêncio mágico proibiu que palavra alguma fosse dita. Lentamente, voltei à posição de lótus e entoei um OM saído de um interior fundo que eu creio ainda não ter encontrado até então. Não era vontade de cantar, era necessidade de vibrar e deixar sair para o universo todo o poder daquela energia. Passado pouco, o Carlo juntou-se ao mantra e a vibração duplicou. Quando chegou a vez do Manu, éramos três e o conjunto das vozes em uníssono e vibrato perfeito transportou-nos para o centro da Terra - e de nós mesmos.
Não sei quanto tempo passou, mas assim permanecemos, sem dizer nada, depois da sensação plena de ter tocado um pouco das estrelas, e sem uma gota de desconforto ou vontade de expressar nada mais após a experiência do que uma assenção de agradecimento mútuo com a cabeça, ao terminarmos de fechar o elo e apagar o fogo que nos acendeu nessa noite.

O portal é mental e corporal

Às portas da quarta dimensão pela mão de dois irmãos. Gémeos. Indíos. Descendentes de sabedoria além das mentes. Acrobatas. Equilibristas ultra-sónicos, ying e yang em mortais e piruetas metódicas e perfeitas. Guerreiros. Urbanos sobreviventes da vida, vivida em mil cenários e continentes. Profissionais magnéticos, malandros, valentes. Músculos e inteligência, coragem precisa e valiosa. Guardiões. Telepáticos seres empáticos que guardam a porta que fica na fronteira entre a sanidade e a loucura. Entre a consciência e a bravura de saber e não ter cura.

Faixa de Gaza, Quintal de Casa, Rio de Janeiro

Na madrugada tiro de fúsil
Ressoa no morro dos infernos
Crianças lutam pelo fútil
Crendo-se seres eternos

Na noite o grito dispara
O aviso de novo perigo
E todo o dia a morte encara
A invasão do inimigo

Nas casas a gente se entricheira
O medo instala o silêncio
O terror dura a vida inteira
A paz apenas um momento

Nas mortes já niguém chora
O peito é de ferro e gelo
Enquanto o amor implora
Num último suspiro, o apelo

Num futuro que ninguém sabe certo
Será que se acalmam as bocas
Será o rumo novo descoberto
Entre estas profundezas loucas

Onde a diferença entre existir e morrer
É sorte frágil como linha de coser
E a esperança fé de todo o ser
É apenas um novo amanhecer.

Adeus, Mel - Até Sempre

E oggi si parte. Estou num barco que se afasta mais e mais, com um nó na garganta e o coração apertado, pleno de vida e saudades, já. Adeus, minha Ilha do Mel. Paraíso enfeitiçado, de natureza selvagem, onde cada um é seduzido e transformado a seu bel prazer e sem distrações. Aqui o mundo pára e a magia permite-se acontecer. Praia Gradne e os amigos para a vida com quem me liguei com laços de aço e unidade, intíma e poderosa, inesquecível. Aqui reaprendi o Amor e encontrei o centro de mim. Aqui descobri finalmente a paz que procurava. E estava dentro. Fui fortalecida por pessoas fundamentais e gigantescas, como a Laís, para quem um adjectivo ou mil sempre seriam pouco, mãe senhora bruxa do Amor e clarividência, mestre de poder e Vida. Ou o Nhô Jeca, um "garoto" de 65 anos que sabe ser um privilegiado por gozar uma vida de boémia selvagem, com a sua casinha sem luz nem água, isolada no meio do mato mas com a divina Praia do Belo como piscina privativa. A bela Terra, primeira mulher que beijei e irmã de sangue quente. Ou o incrivelmente doce e talentoso Manu, cuja humanidade e luz explodem de pureza. Ou o querido Martin, paixão inesperada não correspondida que me fez reaprender a humildade, recusando o meu amor com ternura e calma e que ainda assim me ofereceu noites de suavidade imensa e amizade eterna. O Boño e o Tommy, seres inspiradores em introspecção luminosa, irmãos por telepatia e serenidade. O Kadú, amigo amante de toda a vida apenas conhecido agora, artista de alma Basquiat e rebeledemente irresístivel, safado companheiro de três noites perfeitas em união e felicidade descomprometida, plena e pura, inesperadamente enriquecedora por me fazer aprender finalmente o jogo do amor sem amanhã e da leve liberdade de estar sozinha e amar ao mesmo tempo. Poderosa afrodite, trasnformei-me em luz e energia, loba selvagem e consciência feminina. Aprendi com espanto e naturalidade a amar a tudo e a todos, libertando-me de antigos temores, prisões ou preconceitos. Desabrochei. E sou maior agora. Talvez também porque me voltei a apaixonar por mim e por tudo isto que pode ser viver. Deixo esta ilha porque a viagem necessita seguir. Mas ficaria para sempre. Aliás, fico. Fico para sempre nas trilhas, nas pegadas demoradas e calmas na areia, na corrente do mar tíbio e purificador. Fico para sempre na terra regada pela chuva que me limpou, nos corações dos que viveram isto comigo. Na música espalhada pelos dias e noites partilhados com o Carlo, com o Negretti e o Nego Blue, ou com o delicado saxofonista e seus amigos argentinos, em tons e sintonias jamais experimentados e que me fizeram entrar, como se sempre o tivesse feito, na energia vermelha e laranja da comunhão musical. Aqui também soltei a voz e o amor a esse poder gigantesco forçou-me a assumir que sim, posso e devo, quero continuar a procurar o meu lugar na música, como cantora sonhada desde há tanto e há tanto reprimida e bloqueada por mim mesma. E o Carlo. O Carlo que está dentro da minha pele, que me ensina e escuta, observa e compreende e é o amigo maior deste momento, companheiro mais bonito e ideal que podia querer nesta viagem, nesta mutação interna e nesta aventura em busca de mim. Obrigada, Senhor Universo. Deixo esta ilha e sei que vou voltar. E rever sempre o Ivan, o Marcelinho, o Betinho da Asa Delta, o Chuvinha Pescador, o Mineiro, o Aluche, o Carlão, o Caverna, a Lindinha, a Evelyn, o Caco pintor...pessoas que nunca mais vão sair de mim, porque há coisas que, uma vez descobertas, são nossas para sempre. Deixo esta ilha e estou cheia, porque sei disso. Mas tenho o coração apertado como se fosse sair a nado para terra, querendo ficar ali para sempre. E ao mesmo tempo a vontade de ir, de evoluir e ver o que ainda está depois deste degrau. Seguro o nó na garganta e rio para não mais chorar de tanta Vida, pego no balafon e começo a tocar hipnotizada, estupefacta de emoção, tentando transformar em poesia mágica aquele sentimento para que ficasse para sempre expresso em energia pura nas águas daquele mar de cura. É que são tantas, mas tantas saudades, já, que nem consigo assimilar que vou embora.

Mas sigo. Sem saber como nem para onde ir depois de viver esta tão intensa plenitude. Resta o Presente, o Hoje e o passo seguinte, o livre arbrítio de continuar a procurar neste caminho, tentando não dar passos maiores que a perna para não cair. Rindo às gargalhadas e chorando de explosão emotiva pela sorte de ter vivido, de estar a viver e de ansiar pelo que ainda viverei no meio de tudo isto. Divina comédia.

Sonho Visão

Uma casa virada para Oeste
Com jardim de ervas da floresta
E artes e tintas
E água e tempo
Para o mar e para a música
Para amar e ter amigos
Para curar os inimigos
E rir do infinito.

aviso aos navegantes

O que acima se segue é da exclusiva responsabilidade da interveniente: excertos soltos que foram sendo escritos à mão, pelo caminho, que aqui deixo, sem nenhuma lógica temporal, tudo ao molho e fé em Deus, seja ele o que for. A ideia é não perder, é deixar aqui, este conjunto de memórias de uma viagem que afinal não teve começo nem fim, que mostrou apenas ser uma continuação de mim.

(As fotos tardam, mas um dia aparecem...)